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Quarta-feira, Agosto 13, 2025

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Que Seja Jazz, Não uma Sirene: Sousa Jamba

Há um momento revelador no agora infame confronto de estúdio entre Carlos Rosado de Carvalho e o moderador Alves Fernandes quando este último, exasperado, declara: “Eu mando aqui, porque sou pago para isso.” Essa única frase, proferida com autoconfiança teatral, encapsula uma disfunção central na atual cultura mediática de Angola: a confusão entre ego e julgamento editorial, crítica institucional e afronta pessoal, e moderação com autoridade.

O confronto começou quando Rosado, um comentador conhecido pelas suas opiniões apaixonadas e grande audiência, levantou uma preocupação legítima sobre o Telejornal—o boletim informativo principal da emissora estatal angolana, TPA. A sua crítica era clara: o programa carecia de rigor editorial, servindo mais como plataforma para mensagens institucionais do que para jornalismo de serviço público. Em vez de se envolver com a substância do argumento, Fernandes tratou o comentário como um ataque pessoal ao jornalista Joaquim Jaime, convidado no estúdio. Mas seria Jaime uma flor tão delicada que precisava de ser tão veementemente defendido?

O resultado não foi debate, mas colapso—uma espiral rápida em direção à defensiva, discurso interrompido e ameaças de expulsão. O intercâmbio revela uma falha profunda de comunicação enraizada em três questões interligadas: poder, emoção e falta de foco profissional.

Primeiro, houve uma ausência marcante de escuta ativa. Nenhum dos homens permitiu ao outro completar um pensamento. Esclarecimentos foram interrompidos, e tréplicas foram atropeladas enquanto falavam um pelo outro. A invocação de controlo por parte de Fernandes—“eu mando aqui”—fechou a porta a qualquer espaço colaborativo, transformando o estúdio numa sala de tribunal onde ele era simultaneamente juiz e procurador.

Isto transformou o desacordo de uma discussão sobre o Telejornal numa luta de poder crua sobre quem podia definir a narrativa naquele momento. Segundo, a cena estava emocionalmente carregada ao ponto da combustão. Acusações de provocação (“Tu estás-me a provocar”) voaram com ritmo maníaco. Isto é o clássico afogamento emocional, um estado onde a excitação elevada compromete o processamento cognitivo. Nesse estado, nenhum conseguia escutar, quanto mais pensar claramente. Cada frase tornou-se um gatilho, e os apelos de Fernandes à calma (“Calma, Carlos”) foram tornados inúteis pelo seu próprio tom autoritário.

O verdadeiro objeto da crítica—o Telejornal da TPA—é um símbolo do mal-estar mais profundo que aflige as instituições públicas de Angola. Quando Rosado insistiu, “não estou a avaliar o Jaime, estou a avaliar o órgão”, articulou o ponto central: isto não era pessoal, era sistémico. Mas Fernandes não conseguiu ouvir dessa forma, talvez porque os média públicos em Angola estão tantas vezes apanhados no fogo cruzado da suspeita política. Numa sociedade onde a confiança pública é frágil, até a crítica justa pode parecer sabotagem.

Há também algo distintamente cultural no intercâmbio. A franqueza, o volume elevado e a familiaridade de usar os primeiros nomes—Jaime, Carlos—sinalizam uma cultura mediática onde a informalidade e o confronto coexistem. O apelo de Fernandes à sua própria antiguidade—“Eu sou diretor de informação da MFM e mando aqui”—fala de uma hierarquia relacional que é profundamente pessoal, não meramente profissional. Em muitos contextos angolanos, os confrontos públicos carregam uma dimensão performativa, um ritual de afirmação de autoridade onde o respeito, estatuto e antiguidade são centrais.

No seu cerne, este confronto foi sobre duas figuras mediáticas proeminentes presas numa colisão de identidades, papéis e histórias não resolvidas. O apelo à autoridade de Fernandes não foi apenas profissional—foi pessoal. A recusa de Rosado em ceder não foi apenas intelectual—foi existencial. Cada um estava a defender não apenas um ponto de vista, mas um lugar no ecossistema mediático.

Devo declarar um interesse nesta questão por uma questão de transparência: Carlos Rosado de Carvalho é um amigo com quem partilho conhecidos. Certamente adoraria conhecer Alves Fernandes e participar no seu programa.

Em última análise, o que aconteceu naquele estúdio é um reflexo da luta mais ampla de Angola para construir uma cultura de discurso democrático. Uma paisagem mediática forte não pode ser construída se cada desacordo termina num impasse, se a crítica é confundida com traição, ou se os jornalistas não conseguem confiar uns nos outros. Para avançar, os média angolanos precisam de uma nova banda sonora. Que seja jazz—improvisacional, colaborativo e construído na escuta—não a sirene estridente da autoridade a calar o debate.

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